São quase duas horas da manhã e eu me levanto do computador para ir ao banheiro. Pego um livro do Bukowski para leitura, por algum motivo sinto uma vontade interior de ser que nem ele, triste, solitário, mas com uma capacidade encantadora de narrar a minha tragédia. Nunca funcionaria, não tenho nenhuma tragédia para narrar.
Estou quase no fim da cagada e na metade de um conto quando começo a ouvir um grito vindo da rua. Termino a cagada, executo os procedimentos de limpeza apropriados e me aproximo da janela do banheiro, que da pra área, para escutar melhor os gritos.
- Ai meu Deus! Manheeee, mãeeeee!
Viver em cidades, viver em um grande aglomerado de pessoas, gera algo como uma consciência macro de certos acontecimentos. Não é uma pessoa que esta gritando, é o mundo. O grito que vem de um prédio quica pelos outros prédios e forma eco e revela o potencial que todos as construções da cidade tem para carregar coisas doentes. A consciência da doença é agora algo permanente, e o moribundo e descartável, por que logo outro toma o seu lugar. O ciclo não foi quebrado, da pra perceber que a vida não acaba, mas agora parece que ela segue o seu caminho continuamente doente.
- Mãeeeeeeee!
Freud estava certo em muitas coisas.